quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Almeida Garrett (1799-1854)

Barca Bela



Pescador de barca bela
Onde vais pescar com ela,
Que é tão bela, 
Ó pescador?


Não vês que a última estrela
No céu nublado se vela?
Colhe a vela,
Ó pescador!


Deita o lanço com cautela, 
Que a sereia canta bela ...
Mas cautela, 
Ó pescador!


Não se enrede a rede nela,
Que perdido é remo e vela
Só de vê-la,
Ó pescador.


Pescador da barca bela,
Inda é tempo, foge dela,
Foge dela
Ó pescador!

De Folhas Caídas (1853)

sábado, 26 de dezembro de 2009

El País Semanal - 06Dezembro09

Poucas vezes nos é dada ver tanta coisa interessante, com significado histórico, num só jornal. Neste caso, numa revista que acompanha um jornal, como é o caso presente.

Neste número (o 1732) El País Semanal apresenta (a ordem é minha) uma série de artigos, reportagens, etc., que vou referir mais abaixo. Cumprimento o jornal, felicito-o por este número da sua revista semanal, e rogo aos seus responsáveis que procurem manter (e mesmo melhorar) a linha de qualidade que têm mantido. Rogo-lhes que, em relação à América Latina e ao Terceiro Mundo em geral, procurem evoluir para uma postura mais isenta e rigorosa. É preciso ter presente que nem tudo o que lá se passa é mau, mesmo quando não alinha pelas posições dos EUA ou da União Europeia.

Vamos ao El País Semanal, de 06Dezembro09:

Así sufrimos el cambio climático - texto e fotografias de Mathias Braschler e Monika Fischer. Apresenta-nos 30 exemplos de situações de gentes afectadas pelas alterações climáticas, em 15 países, da Suiça e da Espanha, até ao Mali e à Austrália. São agricultores que não conseguem colheitas por causa da seca, ou que têm as casas e as culturas destroçadas por inundações e tempestades, no Mali e no Tchad, ou no Bangladesh e em Cuba. É Kiribati, um país com assento na ONU a ser submerso pelo mar. São os glaciares a desaparecer na Suiça, e os gelos subterrâneos na Sibéria. São os pinheiros das Montanhas Rochosas, nos EUA a serem dizimados por uma praga de escaravelhos, agravada pelas temperaturas relativamente amenas no Inverno. Percebe-se claramente os problemas que estão a ocorrer um pouco por todo o mundo. É uma resposta forte aos que persistem em negar o impacto das alterações climáticas.

El abogado del diablo - por Jurgen Schreiber. Fotografia por Dieter Mayr. Sobre o advogado Fritz Steinacker, defensor de alguns dos maiores criminosos de guerra nazis. Assente num meticuloso trabalho de investigação, dá um resumo da vida deste homem que agora conta 88 anos, e alguma luz sobre os seus métodos e motivações. Pessoa discreta, e sem dúvida que dotado de grandes qualidades de trabalho, pertenceu ao partido nazi desde os 17 anos, e combateu na força aérea, tendo sido condecorado em Janeiro de 1945 por actos de grande valor. Sem dúvida que acredita que a maioria dos crimes dos seus constituintes foi cometida em obediência a ordens, e que isso constituiria uma justificação de peso. Hoje é uma pessoa conceituada, que encabeça um escritório de advogados de Frankfurt, parece ser respeitado pelos seus concidadãos, dirige uma colectividade desportiva da cidade e pertence à ala liberal da CDU O artigo também refere os crimes cometidos pelos nazis que Steinacker defendeu (alguns de grande notoriedade e colossais responsabilidades em torturas e matanças, como Josef  Mengele, Aribert Heim e Viktor Capesius), sendo que alguns ainda têm processo aberto no escritório de advogados, e  aborda  ainda os percursos de  vida que fizeram depois da guerra.

El secreto de Jackie - por Douglas Thompson, com fotografias de Settimio Garritano. Para alguns, o interesse principal deste trabalho estará nas fotografias de Jacqueline Kennedy Onassis sem roupa, e noutras poses descontraídas. Mas para as pessoas mais sensatas acharão com certeza interessantes os elementos que permitem entender melhor o que faz com que uma bela mulher da alta sociedade, conhecidíssima, viúva de um Presidente dos EUA, sem dúvida inteligente e culta, vá casar com um milionário grego, vinte e tal anos mais velho, de reputação controversa. A complementar este trabalho vem um texto de Maruja Torres, La viuda del mundo, que recorda os episódios trágicos que afectaram a vida de Jackie  (1929-94).

A revista traz mais artigos de interesse, como uma entrevista com o cineasta Fernando Trueba, uma reportagem sobre um pastor chamado Marcos, que viveu na Serra Morena dos 7 aos 19 anos (entre 1953 até 1965) sem contactos humanos, convivendo com os animais (em Outubro de 2010 sairá o filme Entrelobos, de Gerardo Olivares, sobre este caso), outra reportagem sobre a actriz Felicity Huffman (da série da TV Mulheres à beira de um ataque de nervos, e várias colaborações, das quais destaco Delitos legalizados, da coluna La Zona Fantasma, do escritor Javier Marías (esse mesmo, o filho do filósofo Julián Marías) Este aborda um tema interessantíssimo, o dos responsáveis políticos acusados de corrupção e que, apesar disso, vêem as suas votações aumentarem em actos eleitorais sucessivos. Trata-se de um tema que em Portugal conhecemos bem e que, pelos vistos, em Espanha é a mesma coisa.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Rimbaud, Arthur (1854-91)

Bateau Ivre

Comme je descendais des Fleuves impassibles,
Je ne me sentis plus guidé par les haleurs :
Des Peaux-Rouges criards les avaient pris pour cibles,
Les ayant cloués nus aux poteaux de couleurs.

J'étais insoucieux de tous les équipages,
Porteur de blés flamands ou de cotons anglais,
Quand avec mes haleurs ont fini ces tapages,
Les fleuves m'ont laissé descendre où je voulais.

Dans les clapotements furieux des marées,
Moi, l'autre hiver, plus sourd que les cerveaux d'enfants,
Je courus ! et les Péninsules démarrées
N'ont pas subi tohu-bohus plus triomphants

La tempête a béni mes éveils maritimes.
Plus léger qu'un bouchon j'ai dansé sur les flots
Qu'on appelle rouleurs éternels de victimes,
Dix nuits, sans regretter l'oeil niais des falots.

Plus douce qu'aux enfants la chair des pommes sures,
L'eau verte pénétra ma coque de sapin
Et des taches de vins bleus et des vomissures
Me lava, dispersant gouvernail et grappin.

Et, dès lors, je me suis baigné dans le poème
De la mer infusé d'astres et lactescent,
Dévorant les azurs verts où, flottaison blême
Et ravie, un noyé pensif, parfois, descend;

Où, teignant tout à coup les bleuités, délires
Et rhythmes lents sous les rutilements du jour,
Plus fortes que l'alcool, plus vastes que vos lyres,
Fermentent les rousseurs amères de l'amour !

Je sais les cieux crevant en éclairs, et les trombes
Et les ressacs et les courants; je sais le soir,
L'aube exaltée ainsi qu'un peuple de colombes,
Et j'ai vu quelquefois ce que l'homme a cru voir.

J'ai vu le soleil bas taché d'horreurs mystiques
Illuminant de longs figements violets,
Pareils à des acteurs de drames très antiques,
Les flots roulants au loin leurs frissons de volets.

J'ai rêvé la nuit verte aux neiges éblouies,
Baisers montant aux yeux des mers avec lenteur,
La circulation des sèves inouies
Et l'éveil jaune et bleu des phosphores chanteurs.

J'ai suivi, des mois pleins, pareille aux vacheries
Hystériques, la houle à l'assaut des récifs,
Sans songer que les pieds lumineux des Maries
Pussent forcer le muffle aux Océans poussifs.

J'ai heurté, savez-vous? d'incroyables Florides
Mêlant aux fleurs des yeux de panthères aux peaux
D'hommes, des arcs-en-ciel tendus comme des brides,
Sous l'horizon des mers, à de glauques troupeaux.

J'ai vu fermenter les marais, énormes nasses
Où pourrit dans les joncs tout un Léviathan,
Des écroulements d'eaux au milieu des bonaces
Et les lointains vers les gouffres cataractant!

Glaciers, soleils d'argent, flots nacreux, cieux de braises,
Échouages hideux au fond des golfes bruns
Où les serpents géants dévorés des punaises
Choient des arbres tordus avec de noirs parfums!

J'aurais voulu montrer aux enfants ces dorades
Du flot bleu, ces poissons d'or, ces poissons chantants,
Des écumes de fleurs ont béni mes dérades,
Et d'ineffables vents m'ont ailé par instants.

Parfois, martyr lassé des pôles et des zones,
La mer, dont le sanglot faisait mon roulis doux,
Montait vers moi ses fleurs d'ombre aux ventouses jaunes
Et je restais ainsi qu'une femme à genoux,

Presque'île ballotant sur mes bords les querelles
Et les fientes d'oiseaux clabaudeurs aux yeux blonds,
Et je voguais lorsqu'à travers mes liens frêles
Des noyés descendaient dormir à reculons...

Or, moi, bateau perdu sous les cheveux des anses,
Jeté par l'ouragan dans l'éther sans oiseau,
Moi dont les Monitors et les voiliers des Hanses
N'auraient pas repêché la carcasse ivre d'eau,

Libre, fumant, monté de brumes violettes,
Moi qui trouais le ciel rougeoyant comme un mur
Qui porte, confiture exquise aux bons poètes,
Des lichens de soleil et des morves d'azur,

Qui courais taché de lunules électriques,
Planche folle, escorté des hippocampes noirs,
Quand les Juillets faisaient crouler à coups de triques
Les cieux ultramarins aux ardents entonnoirs,

Moi qui tremblais, sentant geindre à cinquante lieues
Le rut des Béhémots et des Maelstroms épais,
Fileur éternel des immobilités bleues,
Je regrette l'Europe aux anciens parapets.

J'ai vu des archipels sidéraux! et des îles
Dont les cieux délirants sont ouverts au vogueur:
Est-ce  en ces nuits sans fond que tu dors et'exiles,
Million d'oiseaux d'or, ô future Vigueur?

Mais, vrai, j'ai trop pleuré. Les aubes sont navrantes,
Toute lune est atroce et tout soleil amer.
L'âcre amour m'a gonflé de torpeurs enivrantes.
Oh! que ma quille éclate! Oh! que j'aille à la mer!

Si je désire une eau d'Europe, c'est la flache
Noire et froide où vers le crépuscule embaumé
Un enfant accroupi, plein de tristesse,  lâche
Un bateau frêle comme un papillon de mai,

Je ne puis plus, baigné de vos langueurs, ô lames,
Enlever leur sillage aux porteurs de cotons,
Ni traverser l'orgueil des drapeaux et des flammes,
Ni nager sous les yeux horribles des pontons!

Oeuvres de Arthur Rimbaud, Paris, Mercvre de France, 1924.

Citação por Hugh Pratt, nas Etiópicas.