segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Charlie Chaplin - Monsieur Verdoux

Ontem à noite (sábado, dia 29, para domingo, dia 30) vi na RTP 2, Monsieur Verdoux. Trata-se de um filme de Charlie Chaplin, realizado em 1947. O argumento original era de Orson Wells, depois Chaplin adquiriu-o e adaptou-o. A história inspira-se na vida do criminoso francês Landru, serial killer executado em 1922, acusado do assassinato de onze pessoas. Parece que este se dedicava a seduzir e matar mulheres sós, para as roubar. Usava o produto do roubo para sustentar a sua família, mulher e quatro filhos.

Chaplin procura integrar o criminoso no ambiente da época, de grande crise económica, em que as pessoas eram obrigadas para viverem a lançar mão de toda a espécie de recursos, muitas vezes à margem da moral e das leis. A concorrência feroz, a falta de escrúpulos na política e nos negócios, a coexistência de um luxo chocante e de uma pobreza crudelíssima e sem esperança, levam Mr. Verdoux, bancário lançado no desemprego e no desespero ao fim de 37 anos de trabalho, a procurar no roubo e no assassínio o sustento da mulher inválida e do filho pequeno.
Do que conheço da obra de Chaplin este filme constitue talvez o que melhor traduz o seu pensamento sobre a sociedade contemporânea. Pessoalmente sempre tive dificuldade em apreciar Chaplin, talvez porque sempre o achei de uma tristeza espantosa. Nunca consegui rir com os seus filmes, sem dúvida que por deficiência minha. Mas em Monsieur Verdoux encontrei uma explicação: as graças, os finais felizes que constantemente se encontram nos outros filmes, destinaram-se a amenizar uma visão profunda (e julgo que correcta) do que é a vida na sociedade moderna. A ferocidade do comportamento do personagem, os gagues utilizados para satirizar os vários tipos sociais, caricaturizam os valores dominantes, que a hipocrisia oficial mascara muito mal. Julgo tratar-se efectivamente do auge da obra de Chaplin, e que é este filme que está na origem de ter de se exilar de Hollywood e dos EUA.

sábado, 29 de dezembro de 2007

Fernando Pessoa

Mensagem



OS TEMPOS


NOITE


A nau de um deles tinha-se perdido
No mar indefinido.
O segundo pediu licença ao Rei
De, na fé e na lei
Da descoberta, ir em procura
Do irmão no mar sem fim e a névoa escura.
Tempo foi. Nem primeiro nem segundo
Volveu do fim profundo
Do mar ignoto à pátria por quem dera
O enigma que fizera.
Então o terceiro a El-Rei rogou
Licença de os buscar, e El-Rei negou.
Como a um cativo, o ouvem a passar
Os servos do solar.
E, quando o vêem, vêem a figura
Da febre e da amargura,
Com fixos olhos rasos de ânsia
Fitando a proibida azul distância.
Senhor, os dois irmãos do nosso Nome
O Poder e o Renome -
Ambos se foram pelo mar da idade
À tua eternidade;
E com eles de nós se foi
O que faz a alma poder ser de herói.
Queremos ir buscá-los, desta vil
Nossa prisão servil:
É a busca de quem somos, na distância
De nós; e, em febre de ânsia,
A Deus as mãos alçamos.
Mas Deus não dá licença que partamos

quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

Fernando Pessoa

Ricardo Reis

Nada Fica
Nada fica de nada.
Nada somos.
Um pouco ao sol e ao ar nos atrasamos
Da irrespirável treva que nos pese
Da humilde terra imposta,
Cadáveres adiados que procriam.
Leis feitas, estátuas vistas, odes findas -
Tudo tem cova sua.
Se nós, carnes
A que um íntimo sol dá sangue, temos Poente, por que não elas?
Somos contos contando contos, nada.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Raymond Chandler

The New York Review of Books, na sua edição de 6 de Dezembro, traz uma interessante recensão, intitulada The Knight of Sunset Boulevard, relativa ao livro The Long Embrance: Raymond Chandler and the Woman He Loved, de Judith Freeman. A recensão é de Pico Lyer, que a certa altura transcreve o excerto seguinte, que Chandler terá escrito já perto do fim da sua vida:

You can make all sorts of jokes about sex, but at the bottom of his heart every decent man feels that his approach to the woman he loves is an approach to a shrine. If that feeling is lost, as it seems to have been lost (in this country at the moment) all of us are lost with it. The glory has departed. All that is left is to die in the mud.
É sem dúvida uma frase interessante, para quem escreveu Farewell, my lovely ou The High Window.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Manuel Ribeiro de Pavia (1907-1957)

Manuel Ribeiro de Pavia, As Líricas - Desenho VIII - Planície (1950).


As Líricas encontram-se na Casa Museu Manuel Ribeiro de Pavia, em Pavia, no concelho de Mora. Foram editadas num álbum pela Editorial Inquérito em 1950. O autor dedicou-as ao poeta José Gomes Ferreira.

Eça - Prosas Bárbaras

Notas Marginaes - XIII

Houve um tempo em que andavam exiladas dos logares humanos as estatuas, que tinham feito a lenda da belleza antiga. Eram de marmore pallido, e a sua nudez era dôce e melodiosa.
Outr'ora, no tempo dos idyllios divinos, quando ainda vivia o grande Pan e havia deuses debaixo das estrellas, ellas viviam entre os jogos, as choreias, a luz e as flôres: brancas, como as espumas ionias; serenas, como a lua de Delos; melodiosas, como a voz das sereias.
Agora andavam perseguidas e errantes pelas florestas sonoras, e envolvidas na consolação imensa, que sáe do canto das aves, e da frescura das plantas.
Ás vezes um cavalleiro, batalhador escuro, que voltava das cidades de oiro e de coral, encontrava uma das brancas peregrinas, como uma apparição de languidez e tristeza, evocada pela musica das ramagens. E se elle por acaso deixava mergulhar nos seus olhos os raios brancos e avelludados dos olhos de marmore, ao outro dia os caminheiros, os que vão de noite cantando à molle claridade das estrellas, encontravam, junto das grandes arvores pensadoras, um corpo inanimado e livido, como aquellas creanças das lendas, a quem as bruxas chupam o sangue!
Esta historia é de ha seiscentos annos - e de hontem á noite ...


Transcrevi este escrito, que deve datar de 1867, da edição de 1942, da Livraria Lello & Irmão Editores. É o auge do Eça romântico, que ele depois renegou. Nesta edição é de fazer uma referência à introdução de Jayme Batalha Reys, que dá elementos preciosos sobre a pessoa do Eça, e sobre o início da sua carreira literária.

O livro existe na Biblioteca Municipal de Vila Franca de Xira, com a cota QRZ 821.134.3-32

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Uma refinaria a 50 quilómetros de Portugal

O Público de 4 de Dezembro de 2007 informa que, na Estremadura espanhola, em Los Santos de Moimona, o grupo Gallardo projecta construir uma refinaria, sem que seja conhecida a avaliação do impacto ambiental. Uma ONG, a Plataforma Cidadã Refinaria Não (PCRN) apresentou uma queixa à Comissão Europeia denunciando um pedido de captação de água na albufeira de Alanje, que poderá ser incompatível com a manutenção do caudal ecológico do Guadiana. A construção da refinaria implicaria que as águas residuais seriam despejadas no Guadjira, afluente do Guadiana. O projecto é apoiado pela Junta da Extremadura, mas Cristina Narbona, ministra do Ambiente, é de opinião contrária.

Organizações ambientalistas portuguesas (GEOTA, LPN) promoveram no dia 4 de Dezembro, em Moura, um colóquio sobre este projecto. A PCRN diz que é graças à sua movimentação que a refinaria ainda não foi construída. Pergunta-se: para quando uma tomada de posição do governo português sobre este assunto?

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Por falar em luxo ...

Le luxe, ce n'est pas le contraire de la pauvreté mais celui de la vulgarité

Coco Chanel (1883 - 1971)

Esta frase vem transcrita no suplemento Primus, do Público de 17 de Novembro de 2007. Numa espécie de editorial, Fernando Correia de Oliveira, pessoa de que nunca ouvi falar, introduz esta frase, e faz vários comentários. Refere inclusive que: "Stéphane Benoit-Godet, director da revista francesa Bilan aponta, certeiro, quando diz que o luxo "passou de cartão de visita de uma elite, na sua origem, para se transformar em acessório de moda". E prevê que luxo, sendo como foi sempre o que é caro e inútil, será cada vez mais o que é raro.

Será que realmente haverá que considerar que está a ocorrer uma alteração no contorno da palavra luxo? E não estaremos perante uma questão muito superficial? De um certo prisma, talvez não. Há realmente uma modificação, no aspecto em que o desenvolvimento da produção, ligado à evolução das tecnologias, levou a que muitas coisas cuja posse ontem seria um luxo hoje já não o é. Contudo constata-se que, da parte de certos eleitos (estará correcto este termo?), permanece uma ânsia de diferenciação do comum dos mortais. E o editorialista remata assim: "Luxo, verdadeiro luxo, nos dias que correm, é também ser indiferente a essa busca de reconhecimento social".

Pessoalmente, acho haver uma grande ambiguidade nessa afirmação. Quem quer escapar à vulgaridade (como Coco Chanel parece encorajar) procura com certeza o reconhecimento social. Não me parece realmente que Fernando Correia de Oliveira tenha detectado essa contradição com a sua frase final.