segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Eça - Prosas Bárbaras

Notas Marginaes - XIII

Houve um tempo em que andavam exiladas dos logares humanos as estatuas, que tinham feito a lenda da belleza antiga. Eram de marmore pallido, e a sua nudez era dôce e melodiosa.
Outr'ora, no tempo dos idyllios divinos, quando ainda vivia o grande Pan e havia deuses debaixo das estrellas, ellas viviam entre os jogos, as choreias, a luz e as flôres: brancas, como as espumas ionias; serenas, como a lua de Delos; melodiosas, como a voz das sereias.
Agora andavam perseguidas e errantes pelas florestas sonoras, e envolvidas na consolação imensa, que sáe do canto das aves, e da frescura das plantas.
Ás vezes um cavalleiro, batalhador escuro, que voltava das cidades de oiro e de coral, encontrava uma das brancas peregrinas, como uma apparição de languidez e tristeza, evocada pela musica das ramagens. E se elle por acaso deixava mergulhar nos seus olhos os raios brancos e avelludados dos olhos de marmore, ao outro dia os caminheiros, os que vão de noite cantando à molle claridade das estrellas, encontravam, junto das grandes arvores pensadoras, um corpo inanimado e livido, como aquellas creanças das lendas, a quem as bruxas chupam o sangue!
Esta historia é de ha seiscentos annos - e de hontem á noite ...


Transcrevi este escrito, que deve datar de 1867, da edição de 1942, da Livraria Lello & Irmão Editores. É o auge do Eça romântico, que ele depois renegou. Nesta edição é de fazer uma referência à introdução de Jayme Batalha Reys, que dá elementos preciosos sobre a pessoa do Eça, e sobre o início da sua carreira literária.

O livro existe na Biblioteca Municipal de Vila Franca de Xira, com a cota QRZ 821.134.3-32

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